A Segunda Guerra Mundial pelas palavras
de quem lutou
No dia 2 de maio é comemorado o dia do
Ex-combatente. Em homenagem aos veteranos de guerra, a reportagem do Jornal O
Líder preparou uma reportagem especial onde os Ex-combatentes fazem um
relato completo e verdadeiro da guerra que matou mais de mil soldados
brasileiros
Reportagem: Camila Pompeo
Símbolo da FEB |
No
dia 1º de setembro de 1939, as forças nazistas alemãs de Adolf Hitler invadiram
a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial. O Brasil passou a participar
do conflito a partir de 1942, na época do governo de Getúlio Vargas. A
princípio, a posição brasileira foi de neutralidade, mas depois de alguns
ataques a navios brasileiros, Getúlio Vargas decidiu entrar em acordo com o
presidente americano para dar início à participação do país na Guerra.
Dos
quase 25.500 soldados que embarcaram, pelo menos 1.230 morreram em batalha
durante os 292 dias de conflito. Hoje, pouco mais de 70 anos desde o início da
Segunda Guerra Mundial, a história continua viva na lembrança dos
ex-combatentes brasileiros que participaram do conflito. Em homenagem aos
personagens brasileiros que estiveram nas frentes de batalhas na Itália, foi
criado o Dia Nacional do Ex-Combatente, comemorado no dia 2 de maio.
“ERA DE ARREPIAR SABER QUE ÍAMOS PARA
A GUERRA (...)”
Ex-combatente
não atuou nas frentes de batalha, mas acompanhou de perto a atuação dos colegas
de farda brasileiros que lutaram e morreram durante o conflito
Lindolfo Guilherme Arend - Foto: Camila Pompeo |
O primeiro grupo de militares
brasileiros chegou à Itália em julho de 1944. O Brasil enviou pouco mais de 25
mil homens da Força Expedicionária Brasileira (FEB), 42 pilotos e 400 homens de
apoio da Força Aérea Brasileira (FAB). O objetivo era ajudar os
norte-americanos na libertação da Itália, que, na época, estava parcialmente
nas mãos do exército alemão. Com 92 anos, Lindolfo Guilherme Arend
lembra de cada detalhe da batalha ocorrida nos anos 1940 e conta emocionado o
que viu da Guerra.
Na manhã do dia 25 de dezembro de
1944, o jovem Lindolfo, de 25 anos, e os colegas de farda saíram da cidade
gaúcha de Santa Cruz do Sul rumo ao Rio de Janeiro onde as tropas foram
preparadas. Em fevereiro de 1945, o navio partiu rumo à Itália. Os pais do
jovem militar só descobriram o paradeiro do filho quando ele já estava no país
italiano. “Era de arrepiar saber que nós íamos para a guerra. Quando chegamos
em Napoles, nos arrepiamos e pensamos: “Onde nós fomos nos meter?”. Nós fomos
no terceiro escalão, fomos para repor as baixas de militares que haviam sido
mortos ou feridos em batalha”, lembra.
Assim
que colocaram os pés em solo italiano, a realidade começou a apontar frente aos
militares. Com a pressão do exército alemão, a população italiana fugia de suas
casas e saía às ruas em busca de alimento e proteção das tropas aliadas. “A
trincheira era um lixo. Tinha gente maltrapilha pedindo comida, pedindo
cigarro. Não tenho nem como explicar, era uma miséria. Foi muito triste chegar
em um ambiente daquele”, relata.
Lindolfo
não atuou nas frentes de batalha, mas trabalhou no depósito pessoal das tropas
brasileiras. As tropas precisavam estar sempre completas para atuarem contra o
exército inimigo, por isso, quando alguns soldados morriam ou eram feridos, outros
eram convocados para os substituir. “Nós éramos da Centro de Recompletamento. O
efetivo precisava estar completo então quando havia baixa na tropa, eles iam
nos buscar. Mas eu tive muita sorte porque quando cheguei, me colocaram na
administração do depósito. Eu era bom nisso, mas participei ativamente de
instruções e aprendi a manusear novas armas”, conta.
Nos
quase 300 dias de conflito, muitos homens integrantes das tropas brasileiras
morreram. Porém, na época, os soldados brasileiros não encontravam tempo sequer
para sentir medo da morte. “Medo de bala ninguém tinha. A gente estava lá,
então não adiantava ficar triste. Precisávamos ficar com a cabeça erguida”,
afirma.
Foto da 2ª Guerra Mundial |
Na sala
de administração, os militares controlavam com a ajuda de um mapa, o avanço das
tropas brasileiras no território italiano. Com a chegada do inverno, as tropas
não saiam da posição e utilizavam artilharia pesada para bombardear-se à
distância. “Nos bombardeamos pela artilharia. O gelo tomou conta. Tinha neve de
60 cm a 80 cm de altura, por isso ninguém saía. Quando o gelo começou a
derreter, a coisa foi para frente. O Monte Castelo era intransponível”,
enfatiza.
Questionado
sobre o momento mais difícil em toda a Segunda Guerra, Lindolfo não hesita em
responder. “Foi a tomada do Monte Castelo, pois na primeira tentativa, as
nossas tropas fracassaram”, justifica. A
batalha do Monte Castelo foi travada entre as tropas aliadas e o Exército
alemão, no final da guerra. O objetivo era conter o avanço dos alemães pelo
Norte da Itália. Durante a batalha, que durou cerca de três meses, foram
efetuados diversos ataques. Muitos soldados não resistiram ao frio e as armas
de grosso calibre do Exército alemão.
Os militares
integrantes da Força Expedicionária que morriam durante a batalha, eram
sepultados no Cemitério de Pistoia, na Itália. “No Monte Castelo perdemos muitos
soldados. De um pelotão de 48 soldados, voltaram 17. O resto morreu e só foi
encontrado depois que o gelo derreteu. Conhecemos eles apenas por conta da
placa de identificação que eles traziam junto ao peito. Perdi muitos
amigos também na guerra e só descobri quando fomos visitar o cemitério
brasileiro na Itália e encontramos as plaquetas na cruz”, relata.
Em
setembro de 1945 chegava ao fim a Segunda Guerra Mundial. Estados Unidos e os
aliados saiam vencedores no conflito que matou cerca de 60 milhões de pessoas,
entre civis e militares. Enquanto muitas tropas se preparavam para voltar para
o Brasil outras, continuavam em solo italiano trabalhando em combate a qualquer
tipo de doença. “Os americanos eram muito exigentes, não queriam deixar doenças
para trás. Nós íamos de casa em casa procurar o mosquito da malária. Onde
achávamos um foco do mosquito, colocávamos veneno dentro e acabávamos com ele”,
lembra.
Na
volta ao Brasil, os expedicionários foram recepcionados calorosamente pela
população brasileira e pelas famílias que aguardavam ansiosas por notícias. A
festa de recepção durou dias no Rio de Janeiro, na época Capital da República.
“No Brasil a recepção foi muito bonita, os familiares estavam esperando. Eu não
tinha familiar presente, por isso fiquei assistindo. Estava feliz porque tinha
voltado”, revela.
Cerca
de três anos depois do fim da Guerra, Lindolfo, conheceu a esposa e se casou. O
casal teve um filho e passou a viver do dinheiro que a produção rural rendia.
Hoje eles vivem em São Miguel do Oeste. Ao lado da esposa e bem pertinho do
fogão à lenha, seu Lindolfo revela que a vida foi generosa, mas que ainda tem
muito o que viver. “Nossa vida não foi folgada, nem apertada. O que dá para
dizer é que vivemos bem nesses anos todos. Apesar da minha idade, tenho saúde
de ferro, pretendo viver mais alguns anos”, conclui.
MEMÓRIAS
DE UM EX-COMBATENTE
Veterano
escreve livro baseado nas experiências vividas na Guerra
O livro foi escrito durante a guerra e guardado à
sete chaves, até ser publicado no ano de 2000 em Mondaí
“Estou
escrevendo estas linhas à noite, na barraca, apoiando o caderno encima dos
joelhos, segurando minha lanterna com a mão esquerda, pois não tenho mais
velas. O Wilson, meu companheiro de barraca, em geral dorme antes de mim. Ele
fica resmungando porque eu tenho a luz da lanterna acesa. Ele que tenha um pouco
de paciência. Ontem, o Wilson e eu apostamos uma janta em um bom restaurante do
Rio de Janeiro se nós estivermos de volta ao Brasil antes de 31 de dezembro de
1945. Eu terei de pagar. Se for depois dessa data, é ele quem vai pagar. Só que
ninguém pensou em caso de morte”. O relato foi escrito pelo jovem sargento José
Edgar Eckert no dia 14 de novembro de 1944, uma terça-feira.
Este
trecho e outros diversos relatos foram eternizados nas 455 páginas do livro
“Memórias de um ex-combatente”, escrito pelo militar durante toda a Segunda
Guerra Mundial. O senhor de 92 anos, foi um dos soldados convocados para atuar
no conflito. Hoje, o gaúcho natural da cidade de Selbach, mora na cidade
catarinense de Mondaí e está debilitado em função da idade. Porém, em uma antiga
entrevista, o veterano de guerra relata algumas das lembranças guardadas nas
páginas dos antigos diários de guerra.
COMO TUDO COMEÇOU...
José Edgar Eckert |
A
vida militar de José Edgar começou em Passo Fundo, no ano de 1939 onde serviu
como 3º sargento. Após uma temporada na cidade gaúcha, foi transferido para o
1ª Regimento de Infantaria Sampaio, no Rio de Janeiro, onde pretendia dar
continuidade aos estudos interrompidos aos 13 anos de idade. “Aos 13 anos vim
com a minha família para Pinhalzinho, onde eles estavam iniciando uma
madeireira na mata virgem daquele sertão. Depois de alguns anos de trabalho
duro na roça, amadureceu em mim a vontade de recomeçar os estudos
interrompidos. Aos 19 anos, meu pai me encaminhou ao quartel de Passo Fundo,
onde me apresentei como voluntário”, relata.
Na época, o Brasil obedecia a ditadura imposta
pelo presidente Getúlio Vargas e já começava a sofrer a pressão dos Estados
Unidos para participar da guerra. “Os EUA começou a exigir que o Brasil
participasse da guerra contra a ditadura da Alemanha e Itália. Mas nós nos
perguntávamos: “Como vamos lutar contra a ditadura da Europa se em casa também
temos ditadura?” Nós que estávamos sendo preparados para ir à luta em favor da
democracia, não podíamos entender isso muito bem. Mas enfim, como sargento, eu
não podia decidir essas coisas, o jeito era obedecer e cumprir ordens”, relata.
Após
a convocação, os mais de 25 mil brasileiros levaram vários meses para se
organizar e ficar em condições de tomar parte nas operações de guerra na linha
de frente da Itália. José Edgar partiu junto com os colegas do 2º e 3º escalões
no dia 20 de setembro de 1944. Os militares navegaram à bordo de um navio
americano de transporte de tropa, rumo a Livorno, na Itália. “A viagem durou 15
dias. De manhã bem cedo, apreciávamos o quanto era lindo o nascer do sol entre
céu e água. É no mar que se pode visualizar bem direitinho a linha do
horizonte. Quando chegamos a Livorno, o acampamento já estava montado”, lembra.
Placa de identificação de José Edgar |
Durante
cada dia na guerra, José Edgar tinha além dos colegas de farda, a companhia de
um caderno. Nas páginas em branco, o militar escrevia diariamente tudo que os
olhos viam e o coração sentia. Foram quatro cadernos escritos durante o período
em que estiveram no país italiano. Na época, era proibido fazer qualquer tipo
de relato sobre a situação e sobre os rumos da guerra. “São 455 páginas
registradas. É um relato modesto, simples e verdadeiro de alguns acontecimentos
dos quais participei. Eu queria que ficasse uma lembrança para mim e para a
minha família. O livro falava de mim, dos meus companheiros. À noite, eu
deitava em qualquer lugar e escrevia. Escrevi até o último dia”, recorda.
Na
página 203 do livro, José Edgar narra a conquista do temido Monte Castelo, onde
as tropas brasileiras atuaram em diversas investidas. “Hoje nossos aviões e a
artilharia não deixam os alemães descansar e apoiam a progressão do nosso
Regimento. O Monte Castelo é envolto numa densa nuvem de fumaça e os aviões
despejam constantemente bombas e mais bombas. Todos nós suspiramos, pois desta
vez conseguimos dominar este Monte que até então ninguém a não ser os alemães,
haviam pisado, desde a derrota da Itália”, relata.
Em
agosto de 1945, finalmente os militares se preparavam para desembarcar no
Brasil e reencontrar as famílias. Em um dos últimos relatos, no dia 31 de
agosto de 1945, o jovem militar decretava o fim dos diários de guerra. “Já
deixou de ser um diário este meu histórico de guerra. Pretendo encerrá-lo
definitivamente mesmo porque não faz mais sentido. Passaram-se oito dias após
aquela nossa chegada à Pátria, o que constitui, sem dúvida, um dia inolvidável
na vida de todos nós que tivemos a ventura de regressar ilesos”, escreveu.
José Edgar entre os colegas em foto tirada na Guerra |
Um
ano depois, em 1946, o militar optou por deixar o Exército e recebeu como
homenagem a medalha de Campanha, a Medalha de Guerra, e a Medalha Cruz de
Combate. Em 1948, José Edgar foi nomeado Tenente da Reserva pelo então
presidente da Republica, Eurico Gaspar Dutra. Na
véspera do natal de 1945, ele enviava do Rio de Janeiro, uma aliança de noivado
para a antiga amiga Zica, que morava em Pinhalzinho.
O
noivado evoluiu, os dois se casaram e tiveram três filhos. Hoje, o veterano vive na cidade de Mondaí,
junto da esposa e dos filhos e é constantemente homenageado nos inúmeros encontros
de ex-combatentes realizados em diversos Estados brasileiros. O livro foi
publicado com o apoio do filho Sérgio, que percebeu o valor dos documentos. “É
um sentimento de muito orgulho. Nem minha mãe sabia o conteúdo daquele diário.
Ele guardava à sete chaves. Em 2000, eu ensinei ele a digitar e ele foi
repassando os textos dos diários para o computador”, explica.
Sérgio
também teve participação no livro do pai. Ele escreveu a primeira orelha do
livro como homenagem ao veterano, dono de um dos relatos mais completos e
verdadeiros da história da Segunda Guerra Mundial. “O orgulho que se aloja
incontido dentro de mim não podia, jamais, deixar de ser dito ou escrito em
algum lugar”, enfatiza. Os outros dois filhos, Lúcia e Antonio, a esposa, os
colegas mortos em combate e os camaradas que retornaram com ele da guerra,
também foram homenageados nas dedicatórias das primeiras páginas do livro. Hoje,
o veterano escreve outro livro sobre a Segunda Guerra Mundial.
Oi, parabéns pelo belo blog.Gostei muito da matéria sobre a FEB, abraço
ResponderExcluirHenrique
Olá, muito obrigada :)
ExcluirFico feliz que tenha gostado! Esta reportagem foi uma das mais especiais que já tive oportunidade de escrever. Sucesso pra você! Até mais....