segunda-feira, 29 de outubro de 2012

LEMBRANÇAS ETERNIZADAS


A Segunda Guerra Mundial pelas palavras de quem lutou

No dia 2 de maio é comemorado o dia do Ex-combatente. Em homenagem aos veteranos de guerra, a reportagem do Jornal O Líder preparou uma reportagem especial onde os Ex-combatentes fazem um relato completo e verdadeiro da guerra que matou mais de mil soldados brasileiros

Reportagem: Camila Pompeo

Símbolo da FEB
No dia 1º de setembro de 1939, as forças nazistas alemãs de Adolf Hitler invadiram a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial. O Brasil passou a participar do conflito a partir de 1942, na época do governo de Getúlio Vargas. A princípio, a posição brasileira foi de neutralidade, mas depois de alguns ataques a navios brasileiros, Getúlio Vargas decidiu entrar em acordo com o presidente americano para dar início à participação do país na Guerra.
            Dos quase 25.500 soldados que embarcaram, pelo menos 1.230 morreram em batalha durante os 292 dias de conflito. Hoje, pouco mais de 70 anos desde o início da Segunda Guerra Mundial, a história continua viva na lembrança dos ex-combatentes brasileiros que participaram do conflito. Em homenagem aos personagens brasileiros que estiveram nas frentes de batalhas na Itália, foi criado o Dia Nacional do Ex-Combatente, comemorado no dia 2 de maio.

“ERA DE ARREPIAR SABER QUE ÍAMOS PARA A GUERRA (...)”

Ex-combatente não atuou nas frentes de batalha, mas acompanhou de perto a atuação dos colegas de farda brasileiros que lutaram e morreram durante o conflito

Lindolfo Guilherme Arend - Foto: Camila Pompeo
            O primeiro grupo de militares brasileiros chegou à Itália em julho de 1944. O Brasil enviou pouco mais de 25 mil homens da Força Expedicionária Brasileira (FEB), 42 pilotos e 400 homens de apoio da Força Aérea Brasileira (FAB). O objetivo era ajudar os norte-americanos na libertação da Itália, que, na época, estava parcialmente nas mãos do exército alemão. Com 92 anos, Lindolfo Guilherme Arend lembra de cada detalhe da batalha ocorrida nos anos 1940 e conta emocionado o que viu da Guerra.
            Na manhã do dia 25 de dezembro de 1944, o jovem Lindolfo, de 25 anos, e os colegas de farda saíram da cidade gaúcha de Santa Cruz do Sul rumo ao Rio de Janeiro onde as tropas foram preparadas. Em fevereiro de 1945, o navio partiu rumo à Itália. Os pais do jovem militar só descobriram o paradeiro do filho quando ele já estava no país italiano. “Era de arrepiar saber que nós íamos para a guerra. Quando chegamos em Napoles, nos arrepiamos e pensamos: “Onde nós fomos nos meter?”. Nós fomos no terceiro escalão, fomos para repor as baixas de militares que haviam sido mortos ou feridos em batalha”, lembra.
Assim que colocaram os pés em solo italiano, a realidade começou a apontar frente aos militares. Com a pressão do exército alemão, a população italiana fugia de suas casas e saía às ruas em busca de alimento e proteção das tropas aliadas. “A trincheira era um lixo. Tinha gente maltrapilha pedindo comida, pedindo cigarro. Não tenho nem como explicar, era uma miséria. Foi muito triste chegar em um ambiente daquele”, relata.
Lindolfo não atuou nas frentes de batalha, mas trabalhou no depósito pessoal das tropas brasileiras. As tropas precisavam estar sempre completas para atuarem contra o exército inimigo, por isso, quando alguns soldados morriam ou eram feridos, outros eram convocados para os substituir. “Nós éramos da Centro de Recompletamento. O efetivo precisava estar completo então quando havia baixa na tropa, eles iam nos buscar. Mas eu tive muita sorte porque quando cheguei, me colocaram na administração do depósito. Eu era bom nisso, mas participei ativamente de instruções e aprendi a manusear novas armas”, conta.
Nos quase 300 dias de conflito, muitos homens integrantes das tropas brasileiras morreram. Porém, na época, os soldados brasileiros não encontravam tempo sequer para sentir medo da morte. “Medo de bala ninguém tinha. A gente estava lá, então não adiantava ficar triste. Precisávamos ficar com a cabeça erguida”, afirma.
Foto da 2ª Guerra Mundial
O longo período o qual os militares precisaram ficar longe da família motivava alguns a escrever cartas. Muitos, no entanto, deixaram de escrever por conta da rígida censura imposta durante a guerra. “As cartas passavam pela censura. Qualquer palavra que eles não gostassem, eles cortavam. Eu nunca escrevi para os meus pais”, explica.
Na sala de administração, os militares controlavam com a ajuda de um mapa, o avanço das tropas brasileiras no território italiano. Com a chegada do inverno, as tropas não saiam da posição e utilizavam artilharia pesada para bombardear-se à distância. “Nos bombardeamos pela artilharia. O gelo tomou conta. Tinha neve de 60 cm a 80 cm de altura, por isso ninguém saía. Quando o gelo começou a derreter, a coisa foi para frente. O Monte Castelo era intransponível”, enfatiza.
Questionado sobre o momento mais difícil em toda a Segunda Guerra, Lindolfo não hesita em responder. “Foi a tomada do Monte Castelo, pois na primeira tentativa, as nossas tropas fracassaram”, justifica.  A batalha do Monte Castelo foi travada entre as tropas aliadas e o Exército alemão, no final da guerra. O objetivo era conter o avanço dos alemães pelo Norte da Itália. Durante a batalha, que durou cerca de três meses, foram efetuados diversos ataques. Muitos soldados não resistiram ao frio e as armas de grosso calibre do Exército alemão.
Os militares integrantes da Força Expedicionária que morriam durante a batalha, eram sepultados no Cemitério de Pistoia, na Itália. “No Monte Castelo perdemos muitos soldados. De um pelotão de 48 soldados, voltaram 17. O resto morreu e só foi encontrado depois que o gelo derreteu. Conhecemos eles apenas por conta da placa de identificação que eles traziam junto ao peito. Perdi muitos amigos também na guerra e só descobri quando fomos visitar o cemitério brasileiro na Itália e encontramos as plaquetas na cruz”, relata.
Em setembro de 1945 chegava ao fim a Segunda Guerra Mundial. Estados Unidos e os aliados saiam vencedores no conflito que matou cerca de 60 milhões de pessoas, entre civis e militares. Enquanto muitas tropas se preparavam para voltar para o Brasil outras, continuavam em solo italiano trabalhando em combate a qualquer tipo de doença. “Os americanos eram muito exigentes, não queriam deixar doenças para trás. Nós íamos de casa em casa procurar o mosquito da malária. Onde achávamos um foco do mosquito, colocávamos veneno dentro e acabávamos com ele”, lembra.
Na volta ao Brasil, os expedicionários foram recepcionados calorosamente pela população brasileira e pelas famílias que aguardavam ansiosas por notícias. A festa de recepção durou dias no Rio de Janeiro, na época Capital da República. “No Brasil a recepção foi muito bonita, os familiares estavam esperando. Eu não tinha familiar presente, por isso fiquei assistindo. Estava feliz porque tinha voltado”, revela.
Cerca de três anos depois do fim da Guerra, Lindolfo, conheceu a esposa e se casou. O casal teve um filho e passou a viver do dinheiro que a produção rural rendia. Hoje eles vivem em São Miguel do Oeste. Ao lado da esposa e bem pertinho do fogão à lenha, seu Lindolfo revela que a vida foi generosa, mas que ainda tem muito o que viver. “Nossa vida não foi folgada, nem apertada. O que dá para dizer é que vivemos bem nesses anos todos. Apesar da minha idade, tenho saúde de ferro, pretendo viver mais alguns anos”, conclui.

MEMÓRIAS DE UM EX-COMBATENTE
Veterano escreve livro baseado nas experiências vividas na Guerra

O livro foi escrito durante a guerra e guardado à sete chaves, até ser publicado no ano de 2000 em Mondaí

            “Estou escrevendo estas linhas à noite, na barraca, apoiando o caderno encima dos joelhos, segurando minha lanterna com a mão esquerda, pois não tenho mais velas. O Wilson, meu companheiro de barraca, em geral dorme antes de mim. Ele fica resmungando porque eu tenho a luz da lanterna acesa. Ele que tenha um pouco de paciência. Ontem, o Wilson e eu apostamos uma janta em um bom restaurante do Rio de Janeiro se nós estivermos de volta ao Brasil antes de 31 de dezembro de 1945. Eu terei de pagar. Se for depois dessa data, é ele quem vai pagar. Só que ninguém pensou em caso de morte”. O relato foi escrito pelo jovem sargento José Edgar Eckert no dia 14 de novembro de 1944, uma terça-feira.
            Este trecho e outros diversos relatos foram eternizados nas 455 páginas do livro “Memórias de um ex-combatente”, escrito pelo militar durante toda a Segunda Guerra Mundial. O senhor de 92 anos, foi um dos soldados convocados para atuar no conflito. Hoje, o gaúcho natural da cidade de Selbach, mora na cidade catarinense de Mondaí e está debilitado em função da idade. Porém, em uma antiga entrevista, o veterano de guerra relata algumas das lembranças guardadas nas páginas dos antigos diários de guerra.

COMO TUDO COMEÇOU...

José Edgar Eckert
            A vida militar de José Edgar começou em Passo Fundo, no ano de 1939 onde serviu como 3º sargento. Após uma temporada na cidade gaúcha, foi transferido para o 1ª Regimento de Infantaria Sampaio, no Rio de Janeiro, onde pretendia dar continuidade aos estudos interrompidos aos 13 anos de idade. “Aos 13 anos vim com a minha família para Pinhalzinho, onde eles estavam iniciando uma madeireira na mata virgem daquele sertão. Depois de alguns anos de trabalho duro na roça, amadureceu em mim a vontade de recomeçar os estudos interrompidos. Aos 19 anos, meu pai me encaminhou ao quartel de Passo Fundo, onde me apresentei como voluntário”, relata.
             Na época, o Brasil obedecia a ditadura imposta pelo presidente Getúlio Vargas e já começava a sofrer a pressão dos Estados Unidos para participar da guerra. “Os EUA começou a exigir que o Brasil participasse da guerra contra a ditadura da Alemanha e Itália. Mas nós nos perguntávamos: “Como vamos lutar contra a ditadura da Europa se em casa também temos ditadura?” Nós que estávamos sendo preparados para ir à luta em favor da democracia, não podíamos entender isso muito bem. Mas enfim, como sargento, eu não podia decidir essas coisas, o jeito era obedecer e cumprir ordens”, relata.
            Após a convocação, os mais de 25 mil brasileiros levaram vários meses para se organizar e ficar em condições de tomar parte nas operações de guerra na linha de frente da Itália. José Edgar partiu junto com os colegas do 2º e 3º escalões no dia 20 de setembro de 1944. Os militares navegaram à bordo de um navio americano de transporte de tropa, rumo a Livorno, na Itália. “A viagem durou 15 dias. De manhã bem cedo, apreciávamos o quanto era lindo o nascer do sol entre céu e água. É no mar que se pode visualizar bem direitinho a linha do horizonte. Quando chegamos a Livorno, o acampamento já estava montado”, lembra.
Placa de identificação de José Edgar
          Durante cada dia na guerra, José Edgar tinha além dos colegas de farda, a companhia de um caderno. Nas páginas em branco, o militar escrevia diariamente tudo que os olhos viam e o coração sentia. Foram quatro cadernos escritos durante o período em que estiveram no país italiano. Na época, era proibido fazer qualquer tipo de relato sobre a situação e sobre os rumos da guerra. “São 455 páginas registradas. É um relato modesto, simples e verdadeiro de alguns acontecimentos dos quais participei. Eu queria que ficasse uma lembrança para mim e para a minha família. O livro falava de mim, dos meus companheiros. À noite, eu deitava em qualquer lugar e escrevia. Escrevi até o último dia”, recorda.
         Na página 203 do livro, José Edgar narra a conquista do temido Monte Castelo, onde as tropas brasileiras atuaram em diversas investidas. “Hoje nossos aviões e a artilharia não deixam os alemães descansar e apoiam a progressão do nosso Regimento. O Monte Castelo é envolto numa densa nuvem de fumaça e os aviões despejam constantemente bombas e mais bombas. Todos nós suspiramos, pois desta vez conseguimos dominar este Monte que até então ninguém a não ser os alemães, haviam pisado, desde a derrota da Itália”, relata.
            Em agosto de 1945, finalmente os militares se preparavam para desembarcar no Brasil e reencontrar as famílias. Em um dos últimos relatos, no dia 31 de agosto de 1945, o jovem militar decretava o fim dos diários de guerra. “Já deixou de ser um diário este meu histórico de guerra. Pretendo encerrá-lo definitivamente mesmo porque não faz mais sentido. Passaram-se oito dias após aquela nossa chegada à Pátria, o que constitui, sem dúvida, um dia inolvidável na vida de todos nós que tivemos a ventura de regressar ilesos”, escreveu.
José Edgar entre os colegas em foto tirada na Guerra
            Um ano depois, em 1946, o militar optou por deixar o Exército e recebeu como homenagem a medalha de Campanha, a Medalha de Guerra, e a Medalha Cruz de Combate. Em 1948, José Edgar foi nomeado Tenente da Reserva pelo então presidente da Republica, Eurico Gaspar Dutra.            Na véspera do natal de 1945, ele enviava do Rio de Janeiro, uma aliança de noivado para a antiga amiga Zica, que morava em Pinhalzinho.
            O noivado evoluiu, os dois se casaram e tiveram três filhos.  Hoje, o veterano vive na cidade de Mondaí, junto da esposa e dos filhos e é constantemente homenageado nos inúmeros encontros de ex-combatentes realizados em diversos Estados brasileiros. O livro foi publicado com o apoio do filho Sérgio, que percebeu o valor dos documentos. “É um sentimento de muito orgulho. Nem minha mãe sabia o conteúdo daquele diário. Ele guardava à sete chaves. Em 2000, eu ensinei ele a digitar e ele foi repassando os textos dos diários para o computador”, explica.
            Sérgio também teve participação no livro do pai. Ele escreveu a primeira orelha do livro como homenagem ao veterano, dono de um dos relatos mais completos e verdadeiros da história da Segunda Guerra Mundial. “O orgulho que se aloja incontido dentro de mim não podia, jamais, deixar de ser dito ou escrito em algum lugar”, enfatiza. Os outros dois filhos, Lúcia e Antonio, a esposa, os colegas mortos em combate e os camaradas que retornaram com ele da guerra, também foram homenageados nas dedicatórias das primeiras páginas do livro. Hoje, o veterano escreve outro livro sobre a Segunda Guerra Mundial.

2 comentários:

  1. Oi, parabéns pelo belo blog.Gostei muito da matéria sobre a FEB, abraço
    Henrique

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    1. Olá, muito obrigada :)
      Fico feliz que tenha gostado! Esta reportagem foi uma das mais especiais que já tive oportunidade de escrever. Sucesso pra você! Até mais....

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