segunda-feira, 29 de outubro de 2012

FÉ E DEVOÇÃO


O poder das rezas e benzeduras


Camila Pompeo

É muito comum encontrarmos pessoas que sempre recorrem à uma benzedeira para curar certos tipos de doenças ou até mesmo para afastar o mau olhado. Essa prática, passada de geração a geração, faz com que o trabalho das benzedeiras não cesse nunca. Por conta disso, ainda é grande o número de pessoas que optam pela cura através da fé, ao invés do uso de medicamentos convencionais.
A benzedura é uma atividade realizada com intuito de curar uma pessoa doente, aplicando sobre ela gestos, em geral acompanhados por alguma erva com pretensos poderes sobrenaturais, ao tempo em que se aplica uma prece. Crença passada de geração para geração, a benzedura se tornou um importante elemento da cultura popular do Brasil. Apesar da resistência da ciência, a atividade muitas vezes impressiona pelos seus efeitos. Para a ciência, os efeitos atribuídos à reza são guiados pela fé daqueles que se submetem à cura.
O benzedor em geral é alguém da própria comunidade que recebeu os ensinamentos dos antigos. A oração feita sempre de forma oral é um dos principais motivos pelo qual não se tem registros sobre eventuais fórmulas curadoras. A reza feita para curar uma pessoa de determinada doença é, na maioria das vezes, guardada em segredo pelo benzedor. As atividades exercidas por ele geralmente não são cobradas.
Os rezadores ou benzedores são mais comuns nas regiões remotas, onde os médicos são escassos e os remédios inacessíveis. Apesar disso, a maioria dos benzedores não trabalham com o intuito de substituir o atendimento médico. A origem dessa prática vem dos pajés indígenas com a aplicação de elementos próprios da religião cristã.

O endereço para a cura do amarelão

Dona Lucíola Frigo - Foto: Camila Pompeo
A medicina vêm se aperfeiçoando a cada dia e com isso, encontra cura para doençãs que antes pareciam incuráveis. A ciência também continua fazendo descobertas e a fé ainda move a cada ano milhares e milhares de fiéis em busca da realizações de pedidos. Porém, algumas doenças ou até mesmo pequenas alergias são curados por efeitos sobrenaturais que não conseguem ser curados pela medicina convencional. Neste caso, entram as benzedeiras, famosas conhecidas da comunidade e que tem um grande poder de cura, movido pela fé.
Lucíola Frigo é mais que uma conhecida da comunidade no município de Descanso. Lá, a senhora de 74 anos é conhecida como Dona Lucíola e sua casa é, todos os dias, procurada por dezenas de pessoas que buscam a cura para o amarelão, um tipo comum de anemia. Dona Lucíola começou sua história com a benzedura há muitos anos atrás, quando ainda era ministra dos enfermos em uma Igreja do município. No trabalho que desempenhava, a senhora visitava os doentes nas casas e hospitais e resava pela sua cura.
Foi exatamente no hospital que dona Lucíola começou a história da benzedura. Em uma visita a um doente, a então ministra foi apresentada a uma oração e surpreendida pelo pedido do doente para que seguisse com as bençãos guiadas pela fé. “Um senhor estava muito, muito doente e eu fui rezar pra ele no hospital. Um dia ele me chamou e me entregou a oração e pediu que eu continuasse com as benzeduras e eu aceitei. Naquele mesmo dia ele morreu”, relata.
Mas a primeira experiência com a benzedura veio com a necessidade de cura do filho de uma amiga, internado há mais de 15 dias com amarelão. Lucíola conta que os pais já não sabiam mais o que fazer para que o jovem se curasse da doença. Foi naquele dia que dona Lucíola colocou em prática a oração que havia recebido no hospital. Com o tempo, a vocação preencheu tanto a vida de Lucíola que ela precisou largar a função que exercia na Igreja. “Um moço estava muito mal no hospital, eu cheguei lá e falei com ele. Eu vim pra casa, mandei chamar a mãe dele e disse que eu iria benzer. A mãe dele chorou de alegria. Eu comecei a benzer ele e no terceiro dia ele foi pra casa”, relembra.
Desde então, dona Lucíola tem aplicado o conhecimento que recebeu e, por conta disso, já se tornou figura conhecida no município. Na rua onde mora, a benzedeira é citada com carinho pela comunidade. É difícil encontrar quem não conheça o poder da cura pela fé da benzedeira. As portas da casa de dona Lucíola estão sempre abertas para atender a todos que necessitem, sem nenhum tipo de cobrança.
Além do dom da cura pelas orações que faz, dona Lucíola conseguiu ainda, através da sabedoria popular, uma receita feita essencialmente de ervas para curar a anemia. Todos os dias, pessoas das mais diversas classes sociais procuram a benzedeira para adquirir o famoso xarope. “Eu faço um xarope de ervas, um remédio caseiro com plantas. É bastante procurado. Para os que têm diabete, eu faço com adoçante e tem ajudado muito as pessoas”, ecxplica. 
Dona Lucíola explica que a benzedura que realiza é apenas uma oração. No próprio antebraço, a benzedeira realiza uma prova, ou seja, uma medição com a palma da própria mão. Uma possível diferença na medição, realizada duas vezes, aponta que a pessoa benzida sofre de amarelão. O tipo de benzedura realizado por ela pode ser feito até mesmo longe da pessoa a ser curada. “Eu faço uma prova em nome do Divino Espírito Santo e vejo se a pessoa está tomada ou não de amarelão. Mas eu só benzo para amarelão e já é bastante pra mim. Várias pessoas vêm aqui, tem dias que fico atarefada”, destaca.
Na casa onde mora, dona Lucíola tem o armário e a parede da sala repletas de presentes trazidos por pessoas que quiseram agradecer a cura. Logo na entrada da porta da sala da benzedeira é possível ver a pomba branca (Divino Espírito Santo) em gesso, pendurada na parede. Lucíola ainda mostra com orgulho outros presentes que recebeu de pessoas de outros estados que ficaram agradecidos pela cura da doença. Ela lembra, no entanto, que os atendimentos são realizados de coração, sem nenhum tipo de cobrança. “O Divino Espírito Santo, os santinhos, essas coisas tudo vem de pessoas que vem me agradecer e me trazem as lembrancinhas. Mas eu não cobro nada, eu sou muito simples. Me sinto no paraíso por poder ajudar as pessoas”, argumenta.
A concentração para realizar a benzedura vem, segundo ela, atravéz da oração. Além da benzedura, Lucíola ainda aconselha os benzidos a realizar orações por pelo menos nove dias depois da benzedura. É uma continuidade do trabalho, regido pela fé da pessoa benzida. 

O padre que distribui bênçãos para famílias de vários Estados

Padre Ermindo Estraich - Foto: Camila Pompeo
            Além de dona Lucíola, o município de Descanso possui outra figura carimbada quando o assunto é a cura pela fé. No município, o padre Ermindo Estraich, desempenha um importante papel na busca pela cura espiritual e física daqueles que procuram seu santuário localizado na saída para a Linha Pratinha. Nos dias de mais movimento, Ermindo chega a atender até 20 pessoas.
Mas a história do padre com o sacerdócio começou em 1996 quando ele foi ordenado diácono pela Igreja Católica Apostólica Conservadora do Brasil, ramificação da Igreja Católica que permite que os padres constituam família. No ano seguinte foi ordenado sacerdote e exerceu o trabalho por quatro anos em Frederico Westphalen, no Rio Grande do Sul.
Foi ainda na paróquia que o padre começou o trabalho de bênçãos. Com o tempo, ele foi transferido para o município de Bandeirante, onde continuou os trabalhos na Igreja Católica Apostólica da Doutrina de Cristo. Padre Ermindo teve a oportunidade de, ao longo do tempo, realizar ainda dois cursos, um de massoterapeuta e outro a área da manipulação de remédios fitoterápicos. “Temos salas de massagem. Temos também os produtos fitoterápicos e as bênçãos para as pessoas que precisam de algum tipo de oração. Medicamento quem receita é o médico. Temos apenas os remédios naturais, fitoterápicos para auxiliar as pessoas na cura de algumas doenças”, explica.
No santuário onde atende, Ermindo realiza as bênçãos sempre nas segundas, terças, quintas e sextas-feiras, sempre pela parte da tarde. Na rua que dá acesso para a Linha Pratinha não há quem não conheça o Padre. Ele conta que as pessoas que procuram suas orações, vão em busca de melhoria nos negócios, no casamento e na saúde física e mental. Para o atendimento é cobrado, segundo ele, apenas uma taxa simbólica. “Uns chamam benzimento, outros chamam de benção, outros ainda chamam de reza. Na verdade é a mesma coisa porque tudo é guiado pela palavra de Deus. As pessoas com problemas de saúde, mentais, espirituais, casamento, desentendimento na família, problemas nos negócios, todos vem pedir a benção que é algo que vem de Deus. Ele deixou os escolhidos para seguir esse trabalho aqui na Terra, segundo o que Ele fazia”, argumenta.
Realizando as benções há pelo menos 13 anos, o padre já possui uma lista de bons frequentadores de seu santuário e de pessoas agradecidas pelas graças recebidas tanto para a saúde quanto para a vida pessoal. Ele explica que o sentimento é de dever cumprido e diz que o desejo é levar o trabalho em frente ainda por muitos anos. “É muito gratificante. A minha maior alegria como sacerdote é quando você realiza uma novena, uma oração, dá uma benção e a pessoa encontra a gente na rua e diz que está tudo bem. Isso me enche de alegria e de prazer de poder levar, cada vez mais, esse trabalho adiante”, relata.
Além do trabalho que desempenha na Paróquia e dos atendimentos realizados em seu santuário, o padre divide seu tempo ainda com a família. Casado, ele diz se sentir completo e feliz com sua condição. “Sou casado, tenho filhos e é maravilhoso. É muito gratificante ser um sacerdote casado, sou feliz por isso. Tenho uma boa esposa, que me apoia em tudo que faço, então estou muito feliz”, justifica.
Durante os mais de dez anos em que trabalha dando as bênçãos separadamente, o padre Ermindo já presenciou diversos casos marcantes. Ele lembra que um deles é o de um senhor morador do município de Romelândia que parou de andar com muletas depois que exercitou sua fé. “Não adianta o sacerdote fazer uma benção se a pessoa que vier não tem fé porque, na verdade, o que mais funciona é a fé da pessoa que procura. O caso que mais me marcou foi de um senhor que andava de muletas. Ele veio até mim depois de algumas recomendações. Ele saiu da casa dele com a mente pronta de que ia ficar bom. Dei a benção para ele. Em 18 dias aquele senhor estava andando sem muletas e hoje trabalha na lavoura”, relembra.
O padre lembra ainda que nunca divulgou o trabalho na mídia mas que a divulgação ocorre de forma indireta, ou seja, pelo boca a boca das pessoas que procuram as bençãos como forma de auxílio para a melhora da vida pessoal e da saúde mental e física. A fama é tanta que Ermindo já chegou a atender pessoas de Portugal, Bolívia e Argentina. “Meu trabalho nunca foi divulgado. São as próprias pessoas que vão falando umas para as outras e vêm até aqui com fé. Eu atendo pessoas de outras regiões, estados e países”, conclui. 

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